sexta-feira, 24 de março de 2017

Arder no inferno

Os bêbados costumam aguentar melhor a falta de amor do que os sóbrios. Nem este homem, que mal se sustinha de pé, conseguiu rasgar aquele bilhete de amor que tanto o tem feito sofrer. Amassou-o, mandou-o ao chão e pisou-o, como sempre pisara as beatas dos cigarros que o acompanharam no tempo e que tanto prazer lhe deram. Ele sabe de vinho como sabe de amar, e sabe também que não se pisam os bilhetes de amor, que não é por pisar que lhe vai limpar aquele ardor igual ao de um vinho carrascão. Virou-lhe as costas fingindo indiferença, o bilhete e o amor que esmoreçam no chão, mas fez-lhe diferença quando o vento soprou mais forte e o quis levar consigo. Agachou-se e sem que ninguém o visse, voltou a apanhá-lo como se se tratasse de um pássaro que ainda não aprendera a voar. Alisou de novo o bilhete de amor, como se lembrava de fazer, naquelas noites de natal, com as pratas dos chocolates em forma de sino. Beijou-o e voltou a colocá-lo no bolso do casaco, roto de tanto entra e sai daquele pedaço de papel. Ele sabia que só se deviam pisar os bilhetes de amor que se quisessem voltar a guardar, que para destruir para sempre é melhor queimá-los, como ele sempre fez com as beatas e os cigarros, mesmo depois destes lhe terem dado tanto prazer no passado.

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