Os bêbados costumam aguentar melhor a falta de amor do que os sóbrios. Nem este homem, que mal se sustinha
de pé, conseguiu rasgar aquele bilhete de amor que tanto o tem feito sofrer.
Amassou-o, mandou-o ao chão e pisou-o, como sempre pisara as beatas dos cigarros
que o acompanharam no tempo e que tanto prazer lhe deram. Ele sabe de vinho
como sabe de amar, e sabe também que não se pisam os bilhetes de amor, que não é
por pisar que lhe vai limpar aquele ardor igual ao de um vinho carrascão.
Virou-lhe as costas fingindo indiferença, o bilhete e o amor que esmoreçam no
chão, mas fez-lhe diferença quando o vento soprou mais forte e o quis levar
consigo. Agachou-se e sem que ninguém o visse, voltou a apanhá-lo como se se
tratasse de um pássaro que ainda não aprendera a voar. Alisou de novo o bilhete
de amor, como se lembrava de fazer, naquelas noites de natal, com as pratas dos
chocolates em forma de sino. Beijou-o e voltou a colocá-lo no bolso do casaco,
roto de tanto entra e sai daquele pedaço de papel. Ele sabia que só se deviam
pisar os bilhetes de amor que se quisessem voltar a guardar, que para destruir
para sempre é melhor queimá-los, como ele sempre fez com as beatas e os
cigarros, mesmo depois destes lhe terem dado tanto prazer no passado.
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