sexta-feira, 11 de setembro de 2015

A Carta

Eles namoravam sempre por carta, que a escrever ama-se mais profundo. Era a distância que não permitia um namoro de contacto. Era o respeito a um deus que não permitia um namoro de facto.
Ele fugiu da morte, toda a vida. Ela fugiu da sorte, como quem foge de morrer pelas mãos de um carrasco, que lhe matava sempre o amor.
Hoje teve que fugir da guerra. Não teve tempo de lhe dizer que fugiu. Que embarcou sem saber se existia mar para além da imaginação e da criação. Não crescem as crianças na guerra, não crescem os amores na terra.
Fugir… fugir para não…morrer… fugir…viver… sabe-se lá o que existe para lá desta fronteira… desta língua de terra entre viver e morrer.

Para onde te escrevo agora, amor?

Deixa-te estar a meu lado e não mais te vás embora.
Uma carta sem destino numa folha a mais de outono, que não quer cair da árvore. Um amor que parece vadio, numa noite dormida ao relento. Estas palavras esborratadas neste papel pardo, parecem um fardo, de quem habituado a amar à distância, parece imberbe neste amor sem terra própria.
Escrevo mil cartas, e envio-te para todos os destinos que conheço.

Não escrevo para a morte que a morte não te colheu. Não te escolheu que a morte não tem destino.

Não te esqueças de me responder. São apenas mil destinos e isso são lugares parcos deste nosso amor, distante.


Nuno Miranda de Torres

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