quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Indelével sabor a...



Quando agarrei o varão, ele gelou-me as mãos e quis penetrar-me o gelo no coração como se desconfiasse que eu não era digno para aquele deslize.

Deslizei rápido, acossado pelo ensurdecer da sirene que palrava ao desespero dos outros.

Ainda vi a minha imagem refletida no cromado do varão. Estava gélida como aliás deve ser uma imagem refletida da coragem.



Entrei no camião tanque com a pressa de quem sabe que os segundos desolam a esperança. Coube-me a janela. Não gosto de me sentar à janela. À janela, os meus olhos são os primeiros a derreter inolvidavelmente o choro das pessoas que perdem o tempo que demora a vida. São vidros, e dos vidros apenas se podem esperar infundados reflexos e algumas imagens de nós próprios.



 As árvores ainda estavam de pé. Os homens estavam vergados. Eu estive de pé durante várias horas, mas acabei por me vergar. Algumas árvores acabaram também por cair junto de mim. Apaixonámo-nos e fundimo-nos. Dos meus olhos planavam as fagulhas. Pedaços de cinza que trazem pedaços de cada um. Pedaços de cada um que vão em toda a minha memória.

Grato pela vida dos outros. A gratidão dos outros não me retorna a vida, nem a das árvores que se vergaram comigo.

Quando me levantaram, desfiz-me em cinza. As lágrimas não apagam mais fogo. Os meus pedaços de fuligem entram na boca dos outros, causando um indelével sabor a…


efrem miranda

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